A preocupação
do Supremo Tribunal Federal (STF) com a embriaguez ao volante é muito acertada.
Em 2010 alcançamos o patamar de 40 mil mortes no trânsito. A impunidade é
generalizada, a irresponsabilidade de beber e dirigir precisa de punição
efetiva, mas tecnicamente a decisão do Supremo que admitiu o perigo abstrato no
crime previsto no art.
306 do
Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é equivocada.
Para o STF o
simples fato de dirigir embriagado já bastaria para a configuração do crime do
art.
306 do CTB.
Assim decidiu a 2ª Turma do referido Tribunal. Confundiu-se o crime do art.
306, que prevê a pena de 2 a 4 anos de prisão, com a infração administrativa do
art. 165 do CTB, que sanciona o embriagado com multa, suspensão da habilitação,
apreensão do veículo e pontuação na carteira de habilitação. (Veja quadro)
Uma primeira
diferença entre eles é que o crime exige uma determinada taxa de alcoolemia
(0,6 decigramas de álcool por litro de sangue). A segunda diferença é a
seguinte: a infração administrativa só exige que o sujeito esteja embriagado; o
crime exige embriaguez mais uma direção anormal, imprudente. O crime não exige
dano e não é preciso que o motorista cause um acidente. Basta que ele coloque
em perigo concreto a segurança viária. Não é preciso uma vítima concreta. Isso
tecnicamente chama-se perigo concreto indeterminado. Se o sujeito dirige bêbado
em ziguezague, se sobe uma calçada, se passa no sinal vermelho etc., coloca em
perigo concreto a segurança no trânsito. É isso que caracteriza a essência do
crime. Nada disso é necessário para a configuração da infração administrativa.
Por que essa diferenciação? Porque o crime é punido com pena de prisão.
Dirigir
bêbado é crime? Depende da forma como o bêbado dirigia. Se dirigia
corretamente, sem colocar em risco concreto a segurança viária, pratica a
infração administrativa do art. 165. Se dirige de forma anormal, imprudente,
pratica o crime do art. 306. Não se fazendo essa diferenciação confunde-se a
infração administrativa com o crime e é isso que foi feito pelo STF.
CÓDIGO DE
TRÂNSITO BRASILEIRO
CAPÍTULO XV
- DAS INFRAÇÕES
(...)
Art.
165. Dirigir sob a influência de álcool
ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação
dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei
nº 11.705, de 2008)
Penalidade -
multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
(Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Medida
Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado
e recolhimento do documento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 11.705,
de 2008)
Parágrafo
único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.
CAPÍTULO XIX
- DOS CRIMES DE TRÂNSITO
(...)
Art. 306.
Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior
a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de
2008)
Penas -
detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter
a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo
único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos
testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste
artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
Luiz Flávio
Gomes
Jurista e
cientista criminal; fundador da Rede de Ensino LFG; diretor-presidente do
Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes; foi promotor de Justiça
(1980 a 1983); juiz de Direito (1983 a 1998); e advogado (1999 a 2001).
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Alice
Bianchini
Doutora em
Direito pela PUC-SP; coordenadora do curso de pós-graduação em Ciências Penais
pela Universidade Anhanguera-Uniderp; presidente do IPAN - Instituto
Panamericano de Política Criminal.