Por José
Carrazzoni Jr.
O crime
omissivo impróprio também chamado de comissivo por omissão, traduz no seu cerne
a não execução de uma atividade predeterminada juridicamente exigida do agente.
[1]
São crimes
de evento, isto porque o sujeito que deveria evitar o injusto é punido com o
tipo penal correspondente ao resultado. [2]
Todavia o
que faz de um delito omissivo, comissivo por omissão é a posição de garantia do
agente. Assim, o salva-vidas que assiste, inerte, ao afogamento de um banhista
incorre na prática do delito de homicídio (comissão) por omissão. [3]
É dizer que
nos crimes omissivos puros viola-se um dever legal de agir, enquanto que na
omissão imprópria o dever de operar do agente decorre de uma norma proibitiva
mas se erige de uma posição garantista. Logo, na omissão pura integra o tipo, o
não atendimento da ação devida; por isso, tem-se na omissão imprópria uma
desatenção (indireta, por omissão) “à norma proibitiva de causar o resultado”.
[4]
Assim, tanto
na omissão própria como nos crimes comissivos por omissão (e nos crimes de
omissão e resultado, como sugere a classificação tripartida dos delitos
omissivos), há a essência de uma omissão, manifestando, todavia, vultuosa
relevância na estrutura típica destes delitos. [5]
I.I. A
Posição de Garantia
A posição de
garantia visa impedir a lesão a um bem jurídico amparado por uma norma
proibitiva. Assim, a “posição de garante” não pode ser imputada a qualquer
pessoa senão àqueles que, em virtude de sua especial proximidade com tal bem,
estejam investidos nesta qualidade. [6]
O garante
atende a um seletivo e imperativo dever de agir (jurídico) que se erige da
assunção à prevenção de um risco. É dizer, que implica na subjetiva exigência
de resguardar bens jurídicos amparados por uma norma proibitiva. [7]
Está em
posição de garantia todo aquele que carrega uma obrigação de impedir um
resultado antijurídico. Deve, contudo, o garante proceder de maneira ativa a
fim de evitar o injusto (obrigação de salvar). [8]
A posição de
garante em razão do bem jurídico lesionado traz um pressuposto “extralegal” do
tipo. Podendo transformar o garantidor que se omite a um resultado típico em
autor (sob um aspecto normativo) de crime comissivo por omissão por ocasião do
resultado. [9]
A condição
do garante exerce uma especial e estreita relação vital, unida intimamente, com
o bem jurídico lesionado. Assim, uma posição de garantia pode estar
condicionada objetivamente a um preceito jurídico em sentido estrito, como por
exemplo a família, o pátrio poder, o matrimônio etc. [10]
O nosso
Código Penal, no artigo 13, § 2°, estabelece que o “dever jurídico incumbe a
quem: (a) tenha por lei obrigação de cuidado; (b) de outra forma, assumiu a
responsabilidade de impedir o resultado; (c) com seu comportamento anterior,
criou o risco da ocorrência do resultado”. Neste sentido, são exemplos da
ocorrência do delito de omissão: o carcereiro que deixa de prestar assistência
ao preso, e este vem a morrer de inanição (a); a enfermeira contratada para
cuidar de doente e que deixa de aplicar a medicação necessária à sua sobrevivência
(b); quem espontaneamente, encarrega-se de conduzir um ébrio (cego ou ferido) a
determinado lugar e acaba por abandona-lo (c).
Consigne-se
por oportuno que nos exemplos supra expostos a superveniência de dano ao bem
jurídico tutelado ensejará a imputatio juris sob a forma de crime omissivo
impróprio, desde que concorrido o real poder de agir. [11]
O real poder
de agir limita (e fundamenta) a antijuridicidade da omissão imprópria. Neste
sentido, o agente (garantidor) deve possuir consigo o real poder de agir para
incorrer na prática do delito de omissão. É dizer, que o sujeito que vê uma
pessoa se afogando e não pula na água porque não sabe nadar, não incorre em
delito omissivo porque lhe carece o dever de agir. [12]
I.II. Forma
Culposa
A omissão
culposa imprópria, traduz no seu cerne, que o sujeito, signatário do dever de
impedir o resultado, deve atender a um cuidado relativo quanto à maneira e ao
modo de efetuar sua atividade em razão do perigo da produção do resultado. [13]
Contudo cabe
esclarecer que, nos delitos omissivos impróprios culposos, a norma em que se
fundam não é dotada de uma autonomia própria. Note-se, que entre normas de
cuidados e normas determinativas, sobrevem, in casu, as normas proibitivas de
conduta. Assim, nesta norma proibitiva encontra-se fundamento à incriminação,
logo, a omissão somente terá relevância quando puder ser equiparada à comissão.
Isto é poder dizer que a situação típica nada representa pelo fato de a “ação
esperada referir-se ao impedimento do resultado típico, que normalmente é
produzido por ação”. [14]
I.III.
Tentativa
Em verdade,
trata-se “da omissão da tentativa de impedir o resultado”. Assim, o sujeito que
estava se afogando e se salva por um imprevisto, ao agente que não atuou, não
se pode dizer que há feito a tentativa de impedir o resultado, senão que
omitiu-se de fazer a tentativa de salvamento. O que se omite é a tentativa
(inidônea) de impedir o resultado, assim, o fazer que deveria ter sido
empregado restaria inócuo porque o sujeito se salvou por força de um
imprevisto. [15]
Este “omitir
a tentativa” de impedir o resultado, se relaciona diretamente com a tentativa
acabada de um delito de comissão. Isto porque, a tentativa de omissão começa e
termina, no momento em que o garante deveria empregar determinado fazer à
impedir o resultado. [16]
O relevante
à solucionar o problema, acerca da tentativa nos delitos omissivos, é analisar
a partir de que momento o agente se põe em “atividade para a realização do tipo
legal”, por omissão, gerando assim, “o início da lesão ao dever, dentro de uma
situação concreta de perigo”. [17]
Contudo, a
doutrina majoritária [18] norteia-se pela perempção da primeira oportunidade de
socorro, onde o bem tutelado encontra-se diretamente em perigo. É dizer que o
garantidor incorrerá na tentativa quando tão logo tome conhecimento e nada faça
para impedir o resultado, que veio a ser impedido por um terceiro ou por força
alheia ao garante. [19]
Wessels
ainda refere que, em caso de perigo distante (ou ausência da proximidade de
resultado), “a tentativa começa no momento em que o perigo atinge um estágio
agudo e o garantidor prossegue inativo, ou em que tira das suas mãos a
possibilidade de atuação salvadora e deixa o acontecimento percorrer seu
caminho”. Logo, o agente somente incorrerá em crime omissivos tentado se o bem
jurídico tutelado livrar-se da lesão por terceiro, caso contrario o garante
responde pelo crime consumado. [20]
I.IV.
Participação
Não há que
se falar em participação nos delitos omissivos impróprios, assim como nos
próprios. O garante que se omite a evitar o injusto, não é cúmplice, senão
autor por omissão. Isto porque, o garantidor por sua investidura, tem de agir
no domínio final do feito para repelir o injusto. [21]
São delitos
de dever [22], configura-se no garante uma certa especialização, pela obrigação
de obrar face a um dever legal de assistência. Assim, não se verificam a
participação nem co-autoria. Cada qual responde pela sua omissão, “com base no
dever que lhe é imposto”. [23]
No clássico
exemplo de Kaufmann, “se 50 nadadores assistem impassíveis ao afogamento de uma
criança, todos ter-se-ão omitido de prestar-lhe salvamento, mas não
comunitariamente. Cada um será autor do fato omissivo, ou melhor, autor
colateral de omissão”. [24]
I.V.
Princípio da Reserva Legal
Os delitos
omissvos impróprios, ou comissivos por omissão, aludem à tipos penais, os quais
expressam, muitas vezes, um fazer ativo. Logo, surgiu a dificuldade de
amoldar-se a comissão por omissão nestes tipos, sob pena de estar-se ferindo o
princípio da reserva legal. [25]
O princípio
da reserva legal, é um mecanismo garantista dentro do direito penal moderno,
manifestando desde já, que para haver crime é necessário que haja expressa
previsão legal (nullum crimem sine lege). Logo, o direito penal buscou
“soluções visando harmonizar as exigências de justiça material de incriminação
de certas omissões”. [26]
Neste
sentido, o § 2° do artigo 13 do Código Penal pátrio, ao indicar o dever
jurídico de agir, satisfaz o princípio da reserva legal. Assim, remete o
aplicador da lei penal, a fazer o entendimento, que para a configuração de um
delito omissivo impróprio, suficiente é, o agente não ter impedido o resultado,
que podia impedir, e que juridicamente estava obrigado a evitar, como
decorrência de um dever de agir, originado em qualquer uma das hipóteses
descritas nas alíneas (a), (b) e (c) do dispositivo supra referido. [27]
Não se pode,
contudo, deixar de fazer alusão a uma “inevitável” margem de discricionariedade
que o aplicador, pode dispor quando da adequação de um delito comissivo por
omissão ao artigo 13, § 2º do Código Penal, que exigencialmente “uma
interpretação restritiva podem minimizar”. [28]
Em que pese,
as manifestações críticas, ao princípio da reserva legal nos delitos comissivos
por omissão, acerca da legalidade (ou não), é unanime entre os doutrinadores
contemporâneos, que tudo que fora produzido (inclusive o dispositivo brasileiro
sobre o tema) é passível de um aperfeiçoamento jurídico à realidade, para que
condutas relevantes para o direito penal não resultem inócuas.
Notas
[1] WESSELS,
Johannes. Direito Penal. Parte geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1976, p. 161 e ss.
[2]
BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque. Crimes Omissivos Impróprios. Belo
Horizonte: Editora Del Rey, 1996, p. 73.
[3] Idem,
ibidem.
[4] COELHO,
Walter. Teoria Geral do crime. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1998, p. 86.
[5] Idem,
ibidem, p. 86 e 87.
[6] MONREAL,
Eduardo Novoa. Fundamentos de los Delitos de Omisión. Buenos Aires: Depalma,
1984, p. 135.
[7] Idem,
ibidem, p. 136.
[8] Idem,
ibidem, p. 136.
[9] WELZEL,
Hans. Derecho Penal Aleman. Tradução de Juan Bustos Ramírez e Sérgio Yáñez
Pérez. Santiago do Chile: Editorial Juridica de Chile, 1997, p. 251.
[10] Idem,
ibidem. p. 252.
[11] COELHO,
Walter. Op. Cit, p. 90.
[12] Idem,
ibidem, p. 90.
[13] TAVARES,
Juarez. Direito Penal da Negligência. Uma contribuição à teoria do crime
culposo. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2003, p. 440.
[14] Idem,
ibidem.
[15] WELZEL,
Hans. Ob. Cit, p. 262.
[16] Idem, ibidem.
[17] WESSELS, Johannes. Ob.
cit, p. 169.
[18] Assim:
Herzberg, Lönnies, Maihofer, Maurach, Schöder, entre outros.
[19] WESSELS, Johannes. Op. Cit, p.
170.
[20] WESSELS, Johannes. Op. Cit, p.
170.
[21] WELZEL, Hans. Op. Cit, p. 263.
[22]
Terminologia proposta por Roxin.
[23]
TAVARES, Juarez. As Controvérsias em torno dos Crimes Omissivos. Rio de
Janeiro: Instituto Latino-americano de Cooperação Penal, 1996, p. 86.
[24] Idem,
ibidem.
[25] LUISI,
Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Op. Cit, p. 132.
[26] Idem,
ibidem, p. 133.
[27] Idem,
ibidem, p. 142.
[28] Idem,
ibidem, p. 142