Esse é o
remédio legal. Está previsto na Constituição e pode ser aplicado ao chefe da
Nação, que foi à praça pública pregar a subversão à ordem.” Com essas palavras,
proferidas há 51 anos em cadeia nacional de rádio, o governador paulista
Adhemar de Barros encerrava sua convocação para que a população fosse às ruas
em defesa do impeachment do presidente João Goulart. Era um fim de tarde de
domingo – 15 de março de 1964 –, dois dias depois de Jango anunciar a decisão
do governo federal de implantar as chamadas reformas de base para mais de 100
mil pessoas, em comício em frente à estação ferroviária Central do Brasil, no
Rio de Janeiro. Duas semanas depois, militares mineiros puseram as tropas e os
tanques em direção ao Rio para dar o golpe e destituir o presidente.
O meio
político brasileiro atravessava um dos fins de semana mais tumultuados de sua
história. Em pleno domingo, o Congresso Nacional retomava as atividades sob
efeito do discurso feito por João Goulart no estado da Guanabara. As
movimentações contrárias ao governo federal tinham forte apoio da bancada e de
lideranças mineiras. O governador Magalhães Pinto, em rota de colisão com
Goulart desde 1963 e em sintonia com Adhemar de Barros, se tornou um dos mais
ferrenhos críticos da administração federal.
Em tom de
ameaça, o deputado cearense Armando Falcão (PSD) disparava contra uma tentativa
de golpe comunista que estaria sendo articulada por Jango. Segundo Falcão, a
pretexto de promover as reformas de base, o presidente estaria preparando
terreno para um estado totalitário nos moldes da União Soviética em território
brasileiro. O impasse se formou logo no primeiro dia de trabalho dos
parlamentares: “Enquanto o senhor João Goulart for presidente, não votaremos
nenhuma emenda constitucional”, ameaçou o parlamentar. A maioria dos deputados
criticou a mensagem presidencial enviada ao Congresso para a abertura do ano
legislativo. Goulart detalhava ponto a ponto suas promessas para livrar o
Brasil da miséria e pedia um “exame desapaixonado” dos parlamentares para
encarar as mudanças necessárias ao país.
O resultado
não poderia ser pior. Ao longo da semana, várias bancadas estaduais rechaçaram
as propostas de Jango, consideradas esquerdistas e comunistas. Nos bastidores,
o governador paulista articulava uma maneira concreta para retirar o presidente
do poder, enquanto avançavam as negociações sobre o impeachment. “Devido às
tais atitudes subversivas do governante, que enfraquecem nossas instituições,
não vemos outro caminho que sua imediata destituição”, afirmou Adhemar.
A
insatisfação ganhou as ruas em 19 de março, quando cerca de 300 mil pessoas
fizeram passeata na capital paulista, partindo da Praça da República até a
Praça da Sé. Organizada pela União Cívica Feminina e apoiada por setores da
Igreja e partidos conservadores, os participantes lançaram no mesmo dia o
“Manifesto ao povo do Brasil”, convocando a população para derrubar Jango. Nos
dias seguintes, a marcha se repetiu em várias capitais, levando milhões de
brasileiros para as ruas em defesa do impeachment presidencial. No entanto, as
articulações do governador paulista para destituir João Goulart por meio do
impeachment foram atropeladas por outra articulação que ganhou força dentro dos
quartéis. Em 31 de março, os militares tomaram as ruas do Rio e tiraram Jango
da Presidência da República, dando início à ditadura militar.
O GRANDE
ASSALTO O governador paulista Adhemar de Barros, articulador do impeachment que
não se concretizou, entrou para a história com um lema que acompanharia vários
políticos brasileiros: “rouba, mas faz”. Em suas gestões como prefeito da
capital paulista e governador de São Paulo, surgiram várias denúncias de
enriquecimento ilícito. As que tiveram maior repercussão vieram à tona em 1954,
quando o governador teria comprado, com dinheiro público, 11 automóveis e 20
caminhões da General Motors. Depois de quitados, ele teria pedido à montadora
que refaturasse os veículos em nome de outras empresas e os distribuído a seus
parentes e amigos. Em março de 1956, o Tribunal de Justiça de São Paulo
condenou Adhemar a dois anos de prisão e suspendeu seus direitos políticos.
Mas, dois meses depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) o absolveu das acusações.
Mesmo depois
de morrer, em março de 1969, Adhemar foi personagem no episódio do roubo ao
cofre de sua amante Anna Grimel Capriglione. Em junho, em um dos períodos mais
duros da ditadura, 11 militantes da VAR-Palmares invadiram a mansão de sua
amante no Bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, renderam todos os
funcionários e levaram o cofre. O montante roubado é estimado em cerca de R$ 15
milhões, em valores atualizados. Segundo militantes que participaram da ação, a
presidente Dilma Rousseff (PT), então iniciante nos movimentos de combate ao
regime militar, ajudou a trocar parte do dinheiro em uma casa de câmbio no
Copacabana Palace.