Fotos de blocos e seus integrantes foram postadas no
Facebook com a logo da marca de cerveja sem autorização
Blocos de rua de Belo Horizonte se uniram e divulgaram,
nesta terça-feira, um manifesto de repúdio à marca de cerveja Skol. No texto
postado no perfil 'Carnaval de rua BH', no Facebook, os grupos reiteram o
caráter independente da festa que vem sendo criada a cada ano na cidade, e
repudiam a tentativa de "apropriação financeira pela cervejaria Skol, do
grupo Ambev, que amargou propostas de patrocínio negadas por vários
blocos".
Apoiado inicialmente por 27 blocos e ganhando mais adesões
após ser divulgado, o manifesto lembra que o carnaval que acontece nas ruas de
Belo Horizonte, na grande maioria dos casos, é feito sem auxílio do poder
público ou de empresas privadas, e se tornou realidade graças a uma demanda que
veio da população. Dessa forma, ver as imagens dos blocos - criados de forma
completamente independente - com a logo da Skol em um perfil suspeito na rede
social causou a mobilização de diversos organizadores.
"Vi um vídeo do I Wanna Love You compartilhado no
perfil Bloquinhos de BH. Fui dar uma olhada nesse perfil e ele não tinha nenhum
conteúdo próprio, só coisas compartilhadas. Na hora que percebi a logomarca
escrevi em todos os posts: 'Gostaria de ressaltar que o IWLY é um bloco
independente e que não recebeu recurso financeiro da Prefeitura, marca de
cervejas ou de qualquer outra organização com fins lucrativos', conta Isabela
Leite, regente do bloco I Wanna Love You e integrante da Alcova Libertina. Como
resposta, ela recebeu: "Nós sabemos disso".
Pesquisando um pouco mais, Isabela descobriu que o perfil
estava ligado a uma outra página do Facebook, Carna Beagá (que já foi excluída,
assim como todas as postagens indevidas com a marca da Skol). Nessa página, ela
se deparou com peças gráficas produzidas pelos blocos Chama o Síndico e Alcova
Libertina, modificadas sem autorização e com a logo da mesma cerveja estampada.
"Isso é uma falta de escrúpulos, uma falta de ética", protesta
Isabela. "Me senti muito desrespeitada, não só como pessoa física, mas em
relação aos movimentos dos quais faço parte", completa, deixando claro que
esses movimentos nunca tiveram interesse em ter alguma relação com a marca,
apesar de já terem recebido propostas de patrocínio.
Já Túlio Nobre, regente do bloco Pena de Pavão de Krishna,
foi alertado do uso de sua imagem por uma amiga, que se assustou ao ver uma
foto do músico relacionada à marca de cerveja. "Eu achei à princípio que
era uma brincadeira, de tão surreal que me pareceu. A foto mostrava meu rosto,
pintado de azul, com a logo da Skol na lateral", conta. No momento, Túlio
não conseguiu copiar a imagem, que foi apagada posteriormente. Por isso, não
sabe se conseguirá entrar com as medidas judiciais cabíveis.
Para além da questão pessoal, Túlio ainda responde pelo
bloco do qual faz parte da organização. "O PPK é contra a intervenção de
qualquer marca no carnaval de BH, ainda mais de cervejarias, que influenciam de
forma negativa muitos carnavais no Brasil", afirma. O maestro ainda espera
que o carnaval de rua de BH mantenha o caráter independente. "Acredito
muito que vai continuar assim, porque a beleza toda é ver a mobilização das
essoas, onde existe o dinheiro, mas que é gasto para o
coletivo, pra coisa acontecer, não para o lucro".
Leia o manifesto de repúdio na íntegra:
"Desde 2009, o Carnaval de rua de Belo Horizonte vive a
olhos nus uma intensa transformação que, de forma independente, sem chancelas
ou patrocínio, reinventa tradições e faz pensar a cidade que queremos.
Anarquicamente maravilhoso, nosso Carnaval tem se tornado um sublime momento do
ano em que, em meio à ocupação festiva do espaço público, buscamos
ressignificar a relação com a cidade e com o outro, bem como contestar
políticas danosas ao bem-estar social. E com um detalhe importante: é feito do
povo e para o povo, como deve ser o Carnaval.
E o povo consegue fazer sua festa mesmo quando não conta com
o auxílio do Estado – e sem precisar recorrer a afagos de megaempresas privadas
para tornar sonhos realidade. O capital, definitivamente, não é o mote da nossa
folia. Os blocos são feitos com o suor e a dedicação de quem quer transformar a
cidade, e que já tem sua recompensa ao ver e viver um Carnaval brilhante como o
de 2015. Contra tudo o que afirma hoje o prefeito dessa capital, queremos sim
um carnaval sem cordões, sectarismo e moralismo, lutando pelas liberdades
individuais, pelo direito à moradia e ao transporte gratuito, pela
desmilitarização da polícia, por uma política de drogas mais humana, contra o
racismo, o machismo, a homofobia, a higienização e a privatização do espaço
público.
É o Carnaval do amor, sim. Mas também é Carnaval de luta.
Não obstante à transformação que se passa nas ruas, vale
lembrar que alguns blocos possuem formação banda e são, de fato, formados por
pessoas que vivem de música. Que passam grande parte do Carnaval trabalhando
duro e fazendo o que acreditam. Que conciliam a folia com exaustivas agendas de
shows. Trabalho para pagar as contas e fomentar a cultura local - tudo com
muita raça, vontade e independência.
Por isso, muito nos espantou quando surgiu, no decorrer do
Carnaval de 2015, uma esdrúxula tentativa de apropriação financeira da festa
pela cervejaria Skol, do grupo Ambev, que amargou propostas de patrocínio
negadas por vários blocos. Companheirxs desses mesmos blocos tiveram, sem
autorização prévia, fotos divulgadas com logomarcas estampadas em seus rostos,
tendo seus direitos de imagem violados, como se compactuassem com qualquer tipo
de aparelhamento do Carnaval.
Para além das questões jurídicas que envolvem as ações da
Skol, manifestamos repúdio com relação à brusca tentativa de usurpação do
caráter independente e autogestionado do Carnaval de Belo Horizonte.
Repudiamos, veementemente, a manobra comercial orquestrada pela Skol, por meio
das páginas Bloquinhos de Beagá e Carna Beagá, gerenciadas pela agência IGT
Marketing, que atropelou direitos em busca de uma bocada da festa. Uma marca
que estimula, através de propagandas irresponsáveis, o machismo que faz vítimas
diariamente e contra o qual lutamos com vigor. Lembrando que as páginas foram
retiradas do ar depois que batuqueiros e integrantes dos blocos reclamaram da
aplicação indevida de logomarcas não somente em fotos, mas também em flyers. Roubo
explícito do material gráfico produzido pelos blocos, numa tentativa
oportunista e inescrupulosa de fazer parecer que o Carnaval de rua é algo
produzido pela Skol. Não; não é. E se depender de nós, nunca será.
O Carnaval de BH não cederá a lobbys de megaempresas nem de
órgãos públicos que colocam em risco uma festa tão plural e espontânea, feita
com o pulso firme do povo, que clama por uma cidade mais justa, livre e
igualitária. A apropriação não passará!"
Ambev responde
Ao ser questionada sobre a demanda dos blocos de BH, que se
organizaram contra a utilização de
imagens ligadas à marca da cerveja, a Ambev/Skol enviou nota em que afirma que
é patrocinadora do carnaval de BH, e que as postagens que causaram problemas
vieram de uma produtora terceirizada.
"A Skol foi a patrocinadora oficial do carnaval de BH
pelo segundo ano consecutivo, sendo uma das principais apoiadoras desse
movimento cultural que vem crescendo na cidade. O apoio é oferecido em forma de
infraestrutura para que a festa aconteça com organização e segurança. Foram
fornecidos pela Skol, com objetivo de proporcionar ao folião uma experiência
positiva: 4 mil diárias de banheiros químicos; 8 mil m² de gradil, para
proteção do patrimônio público e cultural da cidade, como a Praça da Liberdade
e Praça da Estação; 12 palcos com som e iluminação; torre de DJ na Savassi;
kits e treinamento para 1.300 ambulantes, com foco principalmente no consumo
responsável de bebida. A Skol respeita o
direito de imagem dos foliões e esclarece que o conteúdo de internet foi criado
por produtora terceirizada para divulgar a programação da cidade e,
consequentemente, dos blocos de rua", diz a nota.
A assessoria do Grupo Balo de Comunicação responde pela
produção da página Carna Beagá e pelos posts que usaram as imagens de blocos e
seus foliões. Em nota, o grupo garante que as peças publicitárias chegaram à
internet sem passar pela aprovação da Skol. "A produtora do Carna BH
esclarece que os conteúdos publicados nas redes sociais não passaram pela
aprovação da equipe da Skol. Sobre os direitos de imagem, a produtora não foi
acionada juridicamente e, caso isto ocorra, o caso será avaliado", detalha
o texto da produtora.
A nota ainda reitera que "as redes sociais Carna BH
foram criadas por uma agência de comunicação terceirizada", com a intenção
de "concentrar toda a programação oficial do carnaval de Belo Horizonte em
canais de fácil acesso ao público".
Assembleia
Os organizadores dos blocos de rua pretendem se reunir nos
próximos dias para tratar do caso da Skol e de outras questões do carnaval de
BH. O objetivo é compartilhar experiências, identificar problemas, e
entender as demandas dos grupos, para
que a festa seja ainda mais positiva no ano que vem. "Acho importantíssmimo
a união e a conversa entre os representantes de cada bloco, para o carnaval
ficar ainda mais forte do que já é. Porque a festa daqui é um movimento
político, social e cultural fortíssmo, e que tem muita visibilidade", diz
Túlio Nobre.
"Nessa leva da falta de informação, sobra só um
despreparo. O Bloco da Alcova, por exemplo, desfilou na Andradas. Solicitamos o
cercamento do Arrudas e não aconteceu. Imagina se alguém caísse de lá de cima?
Não gosto nem de imaginar! As demandas dos blocos têm que ser ouvidas, para que
possa ser feita uma preparação para a festa, que foi criada pelo povo. A
Belotur chegou depois, e é necessário criar leis que se adequem a essa 'nova'
cultura de carnaval", pondera Isabela Leite.