Políticos receberam em diárias
até cinco vezes o valor dos seus vencimentos anuais; pelo menos quatro ganharam
R$ 72,4 mil em 2014 pelas viagens
A grande maioria das visitas feitas pelos vereadores de Medina foi
para o gabinete do deputado Duarte Bechir
Se não dá para fazer cursos de especialização em praias paradisíacas,
como aconteceu em Ipatinga, viagens frequentes à capital mineira,
principalmente, e também a Brasília ajudaram vereadores de Medina – no Vale do
Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do Brasil – a reforçar seus
salários. Eles receberam em diárias até cinco vezes o valor dos seus
vencimentos anuais. Alvo de investigação sigilosa do Ministério Público
Estadual, pelo menos quatro vereadores da cidade consumiram R$ 72,4 mil em 2014
para visitar gabinetes de deputados e órgãos públicos em Belo Horizonte e na
capital federal. O valor pode até não chamar tanto a atenção, mas quando se
considera a arrecadação de Medina, que não superou R$ 897 mil em janeiro de
2014, ele passa a ter um peso considerável nas contas públicas: representa 8%
dessa receita mensal. Isso, sem considerar o gasto com os salários dos
parlamentares, que chega a R$ 4,5 mil, e com a verba indenizatória, de R$ 2,2
mil. É bom ressaltar que os vereadores só participam de duas sessões plenárias
por mês.
O campeão dos gastos com viagens a Belo Horizonte (a 670 quilômetros
de distância de Medina) e a Brasília (a 930 quilômetros) é o vereador Sílvio de
Azevedo (PSL), que recebeu R$ 22.240 somente em diárias no ano passado. Em
seguida, está o vereador Ailson Batista Figueiredo, o Codó (PTB), com despesas
de viagem no valor de R$ 17.828, que é acompanhado de perto por Domingos Edson
Braga, o Dú Braga (PRB), que consumiu R$ 17.528,00. O presidente da Câmara,
vereador Elísio Simões de Oliveira, o Lila (PMN), também não deu bom exemplo,
gastando outros R$ 14.828 com diárias.
O que salta aos olhos não são apenas os valores gastos. A grande
maioria das viagens de Lila, Codó e Sílvio Azevedo foi para visitas ao gabinete
do deputado estadual Duarte Bechir (PSD), que teve a terceira maior votação na
cidade, onde recebeu 1.444 votos em 2014. Parte dos atestados de presença –
usados para justificar na Câmara de Medina a viagem a BH – era assinada pelo
chefe de gabinete de Bechir, Jacó Souza Soares, denunciado pelo Ministério
Público por envolvimento na Operação Pasárgada, que em 2008 apurou fraude de
cerca de R$ 200 milhões, por meio de certidões negativas inidôneas de INSS para
liberação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para diversas cidades
de Minas.
Sexta-feira Lila, que, como presidente do Legislativo municipal,
autorizou as viagens, esteve pelo menos nove vezes no gabinete do parlamentar
no ano passado. E mais: a cada viagem, eram pagas nunca menos que três diárias.
Apesar de sexta-feira ser tradicionalmente um dia de pouca atividade
parlamentar e normalmente usado pelos deputados para viajar às suas bases no
interior, Lila veio a Belo Horizonte nas sextas-feiras 7 e 14 de março e 2 de
maio do ano passado. Para as visitas em março, o parlamentar recebeu cinco
diárias no total, cobrindo as despesas também no fim de semana, quando não há
atividade parlamentar ou funcionamento de órgãos públicos. Em maio, foram
quatro diárias para Brasília, a partir do dia 2, para participar da 2ª
Mobilização Nacional de Vereadores em Brasília, que aconteceu apenas nos dias
6,7, e 8 daquele mês. Lila ainda deixou de comparecer a uma das duas únicas
sessões mensais da Câmara Municipal em março. No dia 14, ele esteve no gabinete
do deputado Bechir e recebeu duas diárias. As sessões da Câmara acontecem
sempre nos dias 1º e 15 de cada mês.
Socorro Mas Lila não está sozinho. O campeão da gastança, vereador
Sílvio Azevedo, também veio se socorrer ao deputado Duarte Bechir pelo menos
oito vezes e, assim como o presidente da Casa, durante fins de semana e
feriados. Durante o mês de maio, o parlamentar passou apenas 16 dias em sua
cidade. No dia 2 daquele mês, uma sexta-feira, ele embarcou para Brasília, para
acompanhar Lila na 2ª Mobilização Nacional de Vereadores, na capital federal.
Passou lá quatro dias. Já no dia 12, retornou à capital para visitar o gabinete
do deputado federal Rodrigo de Castro (PSDB), sob a alegação de buscar recursos
para seu município. Recebeu uma diária. Novamente no dia 16, outra sexta-feira,
veio a Belo Horizonte para visita ao mesmo parlamentar e permaneceu na cidade
por cinco dias. E, finalmente, na sexta-feira, dia 30, retornou à capital
mineira para, desta vez, uma visita ao gabinete do deputado Gustavo Corrêa
(DEM). As demais viagens a BH, em julho, agosto, setembro e outubro, foram para
visita ao gabinete de Bechir.
Rezando na mesma cartilha, o vereador Codó veio a Belo Horizonte pelo
menos sete vezes para visita também a Bechir, entre março e dezembro do ano
passado. As justificativas para a visita se resumiram a “tratar de assunto de
interesse do município de Medina”. Codó também optou por viajar algumas vezes
na sexta-feira e retomar seus contatos somente na segunda-feira, em razão do
fim de semana. No entanto, as diárias englobaram os dias de descanso. Por sua
vez, o vereador Domingos, apesar das várias viagens à capital, visitou outros
gabinetes de deputados, além do de Bechir, como Mauro Lopes (PMDB), Rômulo
Veneroso (PV), Duílio de Castro (PMN) e Sebastião Costa (PPS).
Confirmação O chefe de gabinete do deputado Duarte Bechir, Jacó Souza
Soares, confirmou que a presença de vereadores de Medina no gabinete é
frequente. Segundo ele, o deputado auxilia os políticos no agendamento de
audiências com autoridades estaduais e também para participação de audiências
públicas de interesse do município. No entanto, Jacó disse que não tem
conhecimento de ter atestado a presença dos vereadores em feriados ou fins de
semana. Jacó – que, de acordo com o Diário Legislativo de 26 de fevereiro, foi
nomeado técnico executivo de gabinete II, por 8 horas, com exercício no gabinete
da liderança do bloco Belo Compromisso com Minas – disse que não está
formalmente acusado de envolvimento na fraude do FPM, revelada pela Operação
Pasárgada, e, por isso, não existe impedimento no exercício da função.
O vereador Lila confirmou que já enviou à promotora Vanessa Aparecida
Góes os relatórios das viagens e das diárias recebidas. No dia 17 de março, ela
solicitou a remessa das informações de forma “pormenorizada e dividida por mês,
o quantitativo das diárias concedidas” aos vereadores Lila, Sílvio Azevedo,
Codó e Domingos Braga. No entanto, Lila disse que não há qualquer
irregularidade nas idas a Belo Horizonte e Brasília. Segundo ele, as diárias
referentes aos fins de semana são devolvidas aos cofres públicos e, portanto,
os valores do portal da transparência do Tribunal de Contas do Estado refletem
apenas o que foi “empenhado” para pagamento, e não o valor efetivamente pago.
Os demais vereadores foram procurados pelo Estado de Minas e não retornaram as
ligações.
Cursos no litoral
No mês passado, o Estado de Minas publicou uma série de reportagens
sobre os gastos abusivos com diárias de viagem dos vereadores de Ipatinga, no
Vale do Aço. Sob a justificativa de que estariam participando de cursos de
aperfeiçoamento, os parlamentares viajaram para várias cidades do litoral
nordestino, como Natal, Fortaleza, Maceió e João Pessoa, além de outros polos
turísticos, como Foz do Iguaçu e Florianópolis. Um dos cursos frequentados por
um grupo de vereadores, devidamente remunerados por diárias, aconteceu em
Fortaleza entre 26 e 31 de dezembro, intervalo entre dois feriados e que
tradicionalmente é reservado para festas de fim de ano. O Ministério Público já
abriu um procedimento para investigar a gastança do dinheiro público.