Cento e seis
prefeitos do interior respondem a processos criminais no Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG). As acusações são diversas. Vão de irregularidades em
licitações públicas, crimes de responsabilidade e desvio de verbas até
destruição de patrimônio histórico, além de desobediência de ordem judicial,
entre outros.
Os dados
fazem parte de relatório exclusivo preparado pela Procuradoria de Combate aos
Crimes Praticados por Prefeitos, do Ministério Público Estadual (MPE) em BH, a
pedido do Hoje em Dia. Nenhum processo corre em segredo de Justiça.
As ações
criminais correspondem ao período de fevereiro de 2013 a janeiro deste ano.
Todos os réus estão no exercício do cargo. Como possuem foro privilegiado por
prerrogativa de função, cabe aos desembargadores do TJMG decidirem o destino
dos políticos. Conforme o relatório da procuradoria, as irregularidades atingem
cidades pequenas e grandes.
Em Nova
Ponte, município com 14 mil habitantes, o prefeito José Divino (PP) responde a
dez processos na segunda instância do Judiciário. Todos eles por fraude em
licitação e alienação de imóveis sem amparo legal. Em um deles, Divino é réu
acusado de ter executado um “esquema concatenado para dilapidar o patrimônio
público” da cidade.
De acordo
com a procuradoria, o prefeito negociou imóveis do município a preços
subavaliados em até 2000%. Somente numa dessas transações, deu um prejuízo de
R$ 890 mil. Segundo a denúncia, uma das compradoras dos imóveis é uma
adolescente que, na época, tinha 12 anos. A menina tinha como representante a
irmã dela, namorada do filho do prefeito Divino.
Na rica
Betim, na região Metropolitana de BH, o prefeito Carlaile Pedrosa (PSDB)
enfrenta quatro processos. Em três deles, é acusado de fraudar licitações num
esquema denominado pela procuradoria como “jogo de planilha”. Somados, os
desvios somam R$ 18,7 milhões.
De acordo
com os investigadores, essa tática de direcionamento de contrato funciona da
seguinte forma: para sair vitoriosa na concorrência, a empresa apresenta
proposta com preços muito abaixo aos praticados no mercado.
Em seguida,
no decorrer da execução da obra, são celebrados aditivos com acréscimos sob a
justificativa de necessidade de adequação do contrato.
Um dos
acordos, no valor de R$ 7,3 milhões, beneficiou uma empreiteira contratada para
ampliar e reformar o Centro Administrativo da cidade. Descoberto pela Polícia
Federal (PF) no curso da Operação João de Barro, o golpe contou com os mesmos
empresários ligados ao esquema que resultou em rombo de R$ 700 milhões de verbas
de orçamento do PAC. Os outros dois contratos, de R$ 5,7 milhões cada um,
seriam para “atualização do banco de dados” e “limpeza urbana”. Junto com
ex-colaboradores, o prefeito responde a outro processo. Dessa vez, por crimes
contra as finanças públicas a partir de contratação de operação de crédito.
Apropriação
Primeiro
prefeito reeleito em Pouso Alegre, no Sul de Minas, Agnaldo Perugini (PT) é
alvo de processo por envolvimento com licitação do tipo “carta marcada”.
Perugini responde a processo por fraude em licitação pública e apropriação de
bens públicos. Segundo a acusação, o petista direcionou um contrato de R$ 11
milhões para empresa que prometia implantar sinais e fiscalizar o trânsito da
cidade. Sem qualquer projeto básico ou estudo técnico, diversos equipamentos,
como radares e lombadas de controle de velocidade, foram instalados em locais
com reduzida circulação de veículos em “claro abuso e gasto desnecessário de
dinheiro público”. Na ação, a procuradoria relata que tal combinação foi feita dentro
do gabinete do prefeito.
Farra dos
administradores municipais inclui até gastos com recursos de outra cidade
No relatório
da Procuradoria de Combate aos Crimes Praticados por Prefeitos consta casos
curiosos de prefeitos processados junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais
(TJMG).
Em seu
primeiro mandato, o prefeito de João Monlevade, Teófilo Torres (PSDB), filho do
conselheiro do TCE Mauri Torres, é réu acusado de ter se beneficiado de verbas
desviadas de outra cidade. Segundo a procuradoria, o então prefeito de Nova
Serrana, Paulo Cézar de Freitas (PDT), contratou Teófilo, que é advogado, para
prestar assessoria jurídica nas áreas tributária e previdenciária.
O contrato,
de R$ 5 mil mensais, durou dois anos e foi feito por inexigibilidade de
licitação sob a alegação de que Teófilo oferece serviço singular. Além da
contratação direta, a procuradoria sustenta que os serviços advocatícios, na
realidade, não foram prestados.
No Triângulo
Mineiro, em Iturama, o prefeito Cláudio Burrinho (PSC) é réu por direcionar
licitação e superfaturamento em contrato de empresa para realizar o Carnaval.
Burrinho
favoreceu a firma de seu apoiador político. Sem concorrência, a empresa
abocanhou dois contratos, um de R$ 436 mil, e outro de R$ 550 mil para fazer a
festa do Momo. Para inflar o orçamento da folia, bandas de terceiro escalão
foram contratadas como se fossem músicos consagrados.
Em Bela
Vista de Minas, o prefeito Wilber José de Souza (DEM) é réu por uma questão
inusitada: ele gastou dinheiro de outra cidade. Como ocorre a cada ano, a
Prefeitura de BH repassou uma quantia relativa à participação dos municípios na
partilha do bolo da receita tributária do IPVA. No entanto, de forma
equivocada, a capital depositou R$ 919 mil, em vez dos R$ 17 mil devidos. Mesmo
após ter sido previamente avisado para não gastar o volume recebido a mais,
cerca de R$ 901 mil, o democrata ignorou o alerta da tesouraria da prefeitura e
usou a verba. Com o reforço inesperado no caixa, empenhou dinheiro
indevidamente para pagar pessoal, custear educação, saúde e “diversos”.
Em Ouro
Preto, o prefeito José Leandro Filho (PSDB) é réu por alterar o aspecto da
cidade histórica e descumprir ordem judicial. Conforme a denúncia, o gestor
determinou a retirada dos paralelepípedos das vias do Distrito de Rodrigo
Silva, classificado como zona de proteção especial, e mandou asfaltar o local.
No entendimento do procurador que ofereceu a ação judicial, a medida causou
grande alteração na paisagem.
Em Juiz de
Fora, o prefeito Bruno Siqueira (PMDB) é acusado de crime de responsabilidade.
Contrariando decisão judicial, o peemedebista se recusou a determinar a
realização de exame de urgência de uma grávida de gêmeos. A mulher, por sua
vez, só conseguiu fazer o exame tempos depois, após o MPE exigir o cumprimento
da ordem judicial.
Nas
prefeituras, resposta às acusações apenas por meio de notas das assessorias
Procurados
pela reportagem, nenhum prefeito quis dar entrevista. Alguns gestores se
posicionaram por meio de nota.
O prefeito
de Juiz de Fora, Bruno Siqueira (PMDB), por meio de comunicado preparado pela
assessoria de imprensa da prefeitura, contestou a denúncia da procuradoria em
BH. De acordo com o peemedebista, o exame da grávida de gêmeos foi realizado a
tempo. Para ele, não houve descumprimento da ordem judicial.
A assessoria
de Siqueira encaminhou ainda um despacho da promotoria da comarca local
informando o arquivamento da investigação na esfera cível. Na área criminal,
porém, o prefeito permanece na condição de réu.
Também por
meio de nota, a Prefeitura de Betim fez a seguinte consideração: “os referidos
processos são de caráter pessoal contra o prefeito Carlaile Pedrosa e estão
sendo amplamente defendidos na esfera judicial por advogados contratados
particularmente. Em razão disso, não é da competência da Procuradoria Geral do
Município tecer considerações”.
Já o
prefeito de Ouro Preto, José Leandro Filho (PSDB), por meio de nota da
assessoria de imprensa, informou que “processos envolvendo agentes políticos
não fazem parte do rol de informações institucionais, razão pela qual descabe à
Assessoria de Comunicação da Prefeitura pronunciar-se à respeito”.
Os prefeitos
de João Monlevade, Pouso Alegre, Iturama, Bela Vista de Minas e Nova Ponte
foram insistentemente procurados durante a semana pelo Hoje em Dia. Os
gestores, no entanto, não atenderam aos pedidos de entrevista encaminhados por
telefone e e-mail.
A reportagem
procurou ainda o TCE para saber se o conselheiro Mauri Torres, pai do prefeito
de João Monlevade, Teófilo Torres, queria se posicionar, mas também não obteve
resposta.